Cláusula De Não Ingressar Com Ação Na Justiça

Discussão em 'Direito Civil, Empresarial e do Consumidor' iniciado por douglas.moreno, 15 de Maio de 2012.

  1. douglas.moreno

    douglas.moreno Em análise

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    Prezados amigos,

    Analisando os acordos com os bancos que são feitos especialmente em juizados especiais, vejo bastante acordo com tal cláusula.

    O que presenciei algumas vezes é que o réu é vencido e condenado a um valor X na sentença, então o réu efetua contato telefônico para o autor e sugere efetuar o pagamento de um valor um pouco menor, mas não recorre e ainda tem-se esse pagamento de forma mais célere.

    Pois bem, eles sempre colocam nos termos do acordo uma cláusula na qual o autor se compromete a não ingressar mais em juízo contra o réu.

    Há agressão ao princípio da inafastabilidade do judiciário, se a causa de pedir for diferente o autor pode tranquilamente ingressar, ingressar depois de concordar com a cláusula caracteriza má-fé?

    Quais são suas opiniões?

    Obrigado.
  2. Diego Emmanuel F. Pinheiro

    Diego Emmanuel F. Pinheiro Ex-advogado. Oficial da PMMG e investidor

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    Como vai, caro colega?

    Bem, entendo que qualquer cláusula que viole o direito constitucional de postulação é nula de pleno direito. A norma constitucional é cogente e vincula todo o ordenamento jurídico infraconstitucional e os seres vivos, não podendo ter seu conteúdo restringido para prejudicar (basta lembrar que as cláusulas pétreas só são imodificáveis para restrição de direitos que beneficiem o cidadão, não para a ampliação de direitos que gerem o bem à sociedade, à coletividade) o cidadão, principalmente aqueles que se situam em uma relação de hipossuficiência com relação aos principais detentores do capital econômico: as instituições financeiras.

    Desta forma, entendo que esta cláusula, em tese, não teria validade por violar este direito constitucional fundamental e pelos outros motivos abaixo expostos.

    Para complementar ainda é importante frisar que a relação de consumo dos serviços bancários é díspar, desigual e os contratos são de adesão, apesar da visão objetivista a que é submetida a relação de consumo com estabelecimentos bancários e de responsabilização civil dos mesmos. Portanto, toda regra e/ou princípio jurídico de natureza consumerista deve ter seu sentido construído em prol dos que se situam no lado fraco da relação, conforme disposição do próprio art. 47 do CDC, que estabelece que toda cláusula contratual deve ser interpretada de maneira mais favorável ao consumidor.

    Leia também o art. 51, I do CDC.

    Contudo, do outro lado do pêndulo temos o princípio "Pacta Sunt Servanda", nosso grande conhecido. E está justamente aí o problema: o acordo é um pacto, um contrato, onde as partes estabelecem algo sobre um outro algo; devem as partes, mesmo numa relação de consumo ou relação judicial (com a consequente homologação de um acordo, por exemplo) cumpri-lo indistintamente ou não?

    O princípio supracitado, pela teoria clássica do Direito Público, deveria sobrepujar qualquer regra jurídica que estipulasse algo oportunizando a quebra da relação ou equilíbrio contratuais, porém, sabemos que isso não é verdade, vez que há teorias mais modernas e que se adequam melhor à atual sociedade, em que as regras muitas vezes afastam a aplicação de princípios e acho que é este o caso.

    Continuando...conforme sabemos, os contratos devem ser cumpridos e a boa-fé e probidade devem ser respeitadas em todo e qualquer contrato (art. 422 do CCB/02), mas o cumprimento do contrato não pode violar os direitos subjetivos das partes que sejam oponíveis erga omnes, como é o caso das disposições protetivas da CRFB e do CDC, que possuem caráter público e especial-geral (é uma lei especial, mas aplicável a uma dada coletividade considerável), além e principalmente, das disposições constitucionais, estejam elas no rol dos direitos e garantias fundamentais ou não. A relação com a CRFB é vertical, a interpretação deve ser conforme a Carta Magna.

    Desta forma, acredito que não só a CRFB e o CDC se aplicam ao caso, mas também o que dispõe o art. 423 do CCB, de maneira complementar, já que o CDC é lei especial com relação ao CCB (apesar do Código Civil ter sido promulgado após o CDC - há teorias e teses que discutem isso).

    Eu sou atacante ferrenho dos contratos de adesão, pois são uma aberração jurídica e um absurdo inimaginável. É a opressão legalizada. Milhões e milhões de processos poderiam ser evitados se o consumidor pudesse discutir com os fornecedores de produtos e serviços o que fosse necessário e suficiente para atender aos interesses de ambas as partes.

    Por isso, acredito, afinal, que a mencionada cláusula não tem validade nenhuma, já que a relação com os bancos, seja judicial ou extrajudicial, é de natureza consumerista (a relação processual instaurada no curso do processo não afasta a natureza primária do negócio jurídico que ensejou a ação, as duas passam a conviver juntas) e os contratos celebrados com eles são sempre de adesão, não respeitando os direitos do consumidor (ao menos boa parte, senão todas, as cláusulas dos contratos celebrados entre empresa-consumidor), devendo estas cláusulas serem declaradas nulas por violarem, primeiro um direito constitucional, depois direitos do consumidor, vez que isto prejudica o cidadão comum.

    Outro motivo pelo qual também entendo plenamente nula a tal cláusula do acordo: o art. 424 do CCB (leia este dispositivo, caso o senhor não o conheça).

    Todavia, o que acontece é: acordos como o que você citou são realizados aos montes todos os dias, mas nada se faz, o CDC nada dispõe especificamente sobre essa situação da renúncia e as normas, de maneira geral, são permissivas neste sentido, vez que a natureza da relação é de cunho eminentemente patrimonial.

    Por isso, caro colega, para mim, independentemente de ser a mesma causa de pedir ou não e do cliente ter ou não concordado com a cláusula (tendo, portanto, assinado o contrato), o cidadão/consumidor pode ingressar em juízo contra a instituição financeira que celebrou o contrato com ele, mesmo que este consumidor tenha sucumbido na ação que ensejou a celebração deste posterior contrato. A cláusula não tem validade.

    Agora, o senhor também deve analisar a pertinência da pretensão que colocará sob a análise do Judiciário após a assinatura de um acordo destes, pois dependendo da proporcionalidade e razoabilidade do que você pleitear em nome de seu cliente, o Judiciário poderá sim, entender aquilo como má-fé e não só julgar improcedentes seus pedidos, como condená-lo por litigância de má-fé.

    Mas acho que o receio de perder a ação não pode dar guarida a abusos por parte das instituições financeiras.

    Veja que são coisas distintas: uma é a análise da cláusula sob a ótica constitucional e infraconstitucional, e outra é incorrer em má-fé pelo fato do cliente ter concordado com as disposições de um contrato.

    Uma pergunta necessária neste caso é: para quê seu cliente ingressaria em juizo contra a mesma empresa em decorrência da mesma causa de pedir, depois de pagar um débito comprovadamente existente?

    Se seu cliente deve, ele tem que pagar. Porém, se deve e isso ficou comprovado, mas você sabe da existência de algum vício (principalmente as nulidades, que retroagem à data da celebração do negócio e podem anular tudo que delas decorreu) que merece ser combatido a fim de que se faça Justiça, siga em frente e não tenha medo.

    Você pode até perder em primeira instância, já que a maioria dos magistrados é só "arroz com feijão", mas provavelmente ganhará nas instâncias superiores se fizer uma boa e fundada dilação teórica (principalmente principiológica) sobre a questão.

    Enfim, me desculpe por ser prolixo em algo tão simples (realmente eu poderia ter sido bem objetivo), mas não consigo... é o hábito.

    Espero ter ajudado.

    Cordialmente.
  3. douglas.moreno

    douglas.moreno Em análise

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    Não, seu discurso não foi nada redundante, pelo contrário, foi bem instrutivo.

    O que ocorre normalmente é o seguinte:

    Determinada pessoa pagou dez parcelas de um contrato inexistente (esse é o caso específico que me vem a mente), todavia na propositura da ação só possuía um comprovante de pagamento. Não entregou os tais comprovantes referentes ao resto do contrato pago (9 parcelas) na AIJ, saiu a sentença e a ré foi condenada a indenização material referente ao dobro do valor daquela única parcela comprovada e indenização moral, pois na contestação não teve nada que mostrasse que o contrato existia, reputando-o como inexistente.

    Pois bem, o banco é condenado ao pagamento de 3X, aí liga e faz um acordo na base de 2,5X. O autor muitas das vezes aceita, pois é mais célere, já que o banco declina do seu direito recursal e ainda não possui a instabilidade de ter o seu dano moral reduzido em uma instancia superior.

    Mas a pegadinha mora nessa cláusula, pois o mérito dessa ação era a arguição de existencia ou não do contrato, a indenização material foi subsidiária, ocorrendo, como disse, apenas a restituição de uma parcela comprovada. Quando o banco coloca essa cláusula estaria tentando coibir que o autor venha solicitar o ressarcimento judicial das outras 9 parcelas que foram pagas e não comprovadas nessa lide, por isso o banco oferece um valor bem próximo da sentença.

    Espero que tenha conseguido ser bem lúcido na minha exposição. O cliente fica com esse dilema, faz o acordo, perdendo pouco, e recebe de forma mais célere ou deixa ir a julgamento o recurso. Se a cláusula for inválida, ao meu ver a primeira opção é a melhor, pois ele pode colocar em pleito as demais parcelas pagas em outra demanda, mas se puder caracterizar má fé é melhor deixar subir ao tribunal e tentar solicitar apresentação de provas de maneira extraordinária para preservar o perfeito e total direito.

    Entende?
  4. Cremonesi

    Cremonesi Em análise

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    Sim , a cláusula é nula de pleno direito apesar do contrato/acordo fazer lei entre as partes.
  5. douglas.moreno

    douglas.moreno Em análise

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    Amigos, com a finalidade de enriquecer o debate segue na íntegra a famosa cláusula:

    "Em decorrência do acordo ora entabulado, as partes nada têm a reclamar uma da outra em decorrência dos fatos narrados na EXORDIAL(petição inicial) ou a eventos a eles relacionados, seja nesta ação ou em qualquer outra".

    E aí? o que acham?
  6. rafaelraj

    rafaelraj Membro Pleno

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    Pelo que entendi da leitura da cláusula, ela não afasta o direito de ingressar no judiciário, ela apenas dá quitação com o pagamentodo acordo.

    Com a quitação você extingue a obrigação.
  7. douglas.moreno

    douglas.moreno Em análise

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    Amigo, leia o histórico.

    Não é questão obrigacional, mas mecanismo dos bancos.
  8. Diego Emmanuel F. Pinheiro

    Diego Emmanuel F. Pinheiro Ex-advogado. Oficial da PMMG e investidor

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    Com as contribuições dos caros colegas o debate já foi enriquecido, mas infelizmente só agora é que compreendi (creio) bem o que você quis dizer, caro colega e passo a tecer mais algumas considerações.

    Eu mantenho minha posição acerca da nulidade desta cláusula pelos motivos que expus e acredito que a cobrança das demais parcelas não ensejaria a declaração e consequente condenação em litigância de má-fé, com uma possível inversão do ônus sucumbencial contra seu cliente.

    Acredito que o acordo é bem restrito e diz respeito apenas ao seu objeto imediatamente subjacente, isto é, ao valor da condenação naquele processo.

    Pelo que entendi a questão se trata de uma repetição de indébito com base em cobrança indevida? Caso afirmativo, penso que o raciocínio a seguir estará correto.

    Apesar do processo que culminou na condenação do banco ter tido o contrato como causa de pedir mediata, apenas o pagamento de uma parcela é que ficou comprovado, sendo que a condenação do banco foi bem específica quanto a esta única parcela.

    Entretanto, o problema está justamente aí: ofender a coisa julgada em virtude do direito de apresentação dos comprovantes das parcelas pagas não terem sido apresentados tempestivamente.

    Se entendi corretamente é este o dilema que você enfrenta, não é?

    Mas e agora, qual seria a solução possível? A meu ver, o único argumento plausível que não faria o seu cliente incorrer em sério risco de litigância de má-fé (por causa da coisa julgada) seria ajuizar ação rescisória conforme dispõe o art. 485, VII do CPC com base no argumento de prova diabólica, ou seja, de que os documentos não foram apresentados porque seu cliente não os detinha, pois o banco não os fornecera e só ele tem acesso ao sistema de dados onde estes comprovantes certamente estão, motivo pelo qual seu cliente não pôde apresentá-los.

    Mas observe-se também que o fato de você ajuizar ação com infringência à coisa julgada deveria acarretar apenas a extinção do feito sem resolução de mérito, conforme o 267, V, não sendo motivo bastante para a decretação da litigância de má-fé, já que isso não acarretaria prejuizo a nenhuma das partes. Mas isso é apenas uma suposição, que levanto a título de estudo para o debate, já que no terrerno processual quase tudo é possível, inclusive a litigância de má-fé nestas condições.

    E talvez os incisos VIII e IX do mesmo art. 485, supracitado, possam ser utilizados de alguma maneira... mas creio que achar um argumento forte e relevante o bastante é bem difícil (não quero desanimá-lo, caro colega, apenas mostrar-lhe as várias possibilidades que enxergo).

    Mas eu acho também que você deve estudar a questão da coisa julgada, porque talvez consigas desenvolver uma tese sobre o fato de não ter havido julgamento de mérito quanto a essas nove parcelas que não tiveram seu pagamento comprovado, já que se o contrato foi reputado inexistente e não houve prova sobre essas parcelas, limitando-se o julgamento à única parcela comprovada, seria possível discutir (ou seria rediscutir? - fica a indagação) esse ponto divergente em outra ação...

    A meu ver houve preclusão temporal, já que as parcelas eram matéria afeta ao objeto da lide, que é o contrato. Portanto, a prova acerca do pagamento delas ou não seria condição sine qua non para a condenação à repetição do indébito. E neste caso a única solução que vejo é mesmo a ação rescisória, mas posso estar enganado...

    Por ora é isso e espero não ter feito confusão com nada hehe.

    Até a próxima.

    Cordialmente.
  9. douglas.moreno

    douglas.moreno Em análise

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    Obrigado, colega.

    Na verdade enxerguei uma abordagem diferente.

    Eu continuo acreditando que a má fé foi cometida pelo banco ao cobrar um contrato reputado inexistente.

    Mas na sentença a Magistrada inverteu de ofício o ônus da prova, então acredito que se o embrago não for considerado eu posso apelar informando que a parte ré é quem deveria comprovar que eu não fiz os pagamentos e que o contrato de fato existia. Para reforçar o meu direito, a parte ré não alegou nada quanto a existência do contrato em questão na constestação, faltando agora apenas o reconhecimento das demais parcelas.

    De todo modo, muito obrigado.

    Assim que essa épica batalha terminar informarei o desfecho!

    Abraços!
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